terça-feira, 27 de dezembro de 2016

CICLO



Hoje eu escrevo, mas, por uma razão diferente.
Escrevo pra celebrar essa vida maravilhosa, que nos é imposta; isso mesmo, imposta.
Você acha que tem escolha? Você acha que, aqui, no planeta terra, nesse nosso inferno particular, nós temos escolha? NEGATIVO. Livre arbítrio? NEGATIVO. Não importa o que você acha que veio fazer aqui, muito menos importante é de que forma você tenta mudar a forma como tem vivido. A sua vida simplesmente vai te perseguir, e mesmo que você tente se esconder da maneira que puder.... ela vai te encontrar e você não tem alternativa... mesmo reclamando, mesmo sem querer, até mesmo não fazendo nada, você vive.
O seu destino já foi definido por algo muito maior que você, a sua vida preparada vai te buscar onde quer que você esteja.
Só existe uma razão para você está aqui: VIVER.
VIVER E COMPLETAR O SEU CICLO.



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Salve Jorge

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. 

Jesus Cristo, me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, e Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos. 

Glorioso São Jorge, em nome de Deus, estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, e que debaixo das patas de seu fiel ginete meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo. São Jorge Rogai por Nós. Amém”


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Destino

Nós não escolhemos o nosso destino. Ele nos escolhe. E quem nos conheceu antes de o destino nos guiar não entende a grandeza das mudanças que sofremos.  Ninguém vê o quanto está em jogo se fracassarmos. Que somos instrumentos de um plano perfeito e que toda vida pode estar em jogo. Percebemos rapidamente quem nos compreende e quem apenas vai ficar em nosso caminho.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

+-/x


Hoje me dei conta de que pouquíssimos, realmente, contam
E quase ninguém somam
Me dei conta que de quantos encantam
E que em algum canto acalenta o desencanto
E por mais que te contem que encantam
No fim das contas nem conta tanto.
Pois a verdade não precisa ser contada, nem somada, nem subtraída.
A verdade naturalmente é vivenciada.
Portanto
No alheio desalento eu sigo a contento
Me deliciando no momento
Agradecendo e engrandecendo
Quem por mim tem merecimento.
Porém o mais que é mais importante nas contas
É que no fim de qualquer conta
Vem a certeza do resultado.
Mas isso nem sempre conta.

sábado, 18 de junho de 2016

O Tempo – Poema de Mário Quintana

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Um dia de cada vez...


Um turista visitou uma catedral onde um artista trabalhava em um mosaico enorme.
Uma vasta parede vazia estava à frente do artista e o turista perguntou:
- Você não fica preocupado com todo este espaço que você precisa cobrir? Não se preocupa sobre quando conseguirá terminar?
O artista respondeu simplesmente:
- Eu sei o que posso fazer a cada dia.
A cada manhã, marco a área que farei e não me permito preocupar-me com o espaço que falta.
Eu assumo um dia de cada vez e um dia o mosaico estará terminado.
Muitos dos grandes obstáculos que atrasam o nosso momento são como esta grande parede.
Nós podemos nos preocupar com o enorme quadro que temos que criar.
Ou podemos simplesmente começar a enchê-lo com as imagens maravilhosas e únicas - a impressão de nossas vidas - fazendo o melhor que podemos a cada dia que nos é dado.
E, no final, teremos montado o melhor quadro.

Onde você começa ? O melhor lugar para começar é exatamente onde você está hoje.


domingo, 24 de abril de 2016

Barco Encalhado



Em agosto de 1918, um saveiro estava sendo puxado por um rebocador, no Rio Niágara, quando o cabo rebentou. As fortes correntezas logo conduziram o barco em direção às cataratas.
Quando estava para cair, o barco encalhou em algumas rochas bem acima das quedas.
Os dois homens que estavam a bordo foram salvos apenas no dia seguinte. Eles passaram uma noite de terror pois esperavam, a qualquer momento, despencar para a morte.
Isso aconteceu faz quase noventa anos e a velha barcaça continua lá, no mesmo lugar, até hoje. Jamais aconteceu a queda prevista.
Os dois homens se preocuparam por nada. A esperada queda do barco, que trouxe ansiedade e desespero aos dois homens homens, não aconteceu...
Da mesma forma, a maioria dos problemas que tiram nossa paz e alegria, também não nos atingirão.
A preocupação é como um barco encalhado nas pedras. Ela nunca levará você a lugar algum!

sábado, 23 de abril de 2016

...

A suave chuva da primavera permeia o solo da minha alma.
A semente a muito tempo enterrada...
apenas sorri

Tabacaria


Álvaro de Campos, in "Poemas" 

Não sou nada. 

Nunca serei nada. 
Não posso querer ser nada. 
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. 

Janelas do meu quarto, 
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é 
(E se soubessem quem é, o que saberiam?), 
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, 
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, 
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, 
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, 
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, 
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. 

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. 
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, 
E não tivesse mais irmandade com as coisas 
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua 
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada 
De dentro da minha cabeça, 
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. 

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu. 
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo 
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, 
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. 

Falhei em tudo. 
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. 
A aprendizagem que me deram, 
Desci dela pela janela das traseiras da casa, 
Fui até ao campo com grandes propósitos. 
Mas lá encontrei só ervas e árvores, 
E quando havia gente era igual à outra. 
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar? 

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Génio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu, 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. 
Não, não creio em mim. 
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas! 
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? 
Não, nem em mim... 
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo 
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando? 
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - 
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -, 
E quem sabe se realizáveis, 
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? 
O mundo é para quem nasce para o conquistar 
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. 
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. 
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo, 
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu. 
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, 
Ainda que não more nela; 
Serei sempre o que não nasceu para isso; 
Serei sempre só o que tinha qualidades; 
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta 
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, 
E ouviu a voz de Deus num poço tapado. 
Crer em mim? Não, nem em nada. 
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente 
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo, 
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha. 
Escravos cardíacos das estrelas, 
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama; 
Mas acordámos e ele é opaco, 
Levantámo-nos e ele é alheio, 
Saímos de casa e ele é a terra inteira, 
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. 

(Come chocolates, pequena; 
Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. 
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. 
Come, pequena suja, come! 
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! 
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho, 
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) 

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei 
A caligrafia rápida destes versos, 
Pórtico partido para o Impossível. 
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, 
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro 
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas, 
E fico em casa sem camisa. 

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas, 
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, 
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, 
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, 
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, 
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, 
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -, 
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire! 
Meu coração é um balde despejado. 
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco 
A mim mesmo e não encontro nada. 
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. 
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, 
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, 
Vejo os cães que também existem, 
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, 
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) 

Vivi, estudei, amei, e até cri, 
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu. 
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, 
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses 
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); 
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo 
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente. 

Fiz de mim o que não soube, 
E o que podia fazer de mim não o fiz. 
O dominó que vesti era errado. 
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. 
Quando quis tirar a máscara, 
Estava pegada à cara. 
Quando a tirei e me vi ao espelho, 
Já tinha envelhecido. 
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. 
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário 
Como um cão tolerado pela gerência 
Por ser inofensivo 
E vou escrever esta história para provar que sou sublime. 

Essência musical dos meus versos inúteis, 
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse, 
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, 
Calcando aos pés a consciência de estar existindo, 
Como um tapete em que um bêbado tropeça 
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. 

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. 
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada 
E com o desconforto da alma mal-entendendo. 
Ele morrerá e eu morrerei. 
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos. 
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também. 
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, 
E a língua em que foram escritos os versos. 
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. 
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente 
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, 
Sempre uma coisa defronte da outra, 
Sempre uma coisa tão inútil como a outra, 
Sempre o impossível tão estúpido como o real, 
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, 
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. 

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?), 
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. 
Semiergo-me enérgico, convencido, humano, 
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. 

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los 
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. 
Sigo o fumo como uma rota própria, 
E gozo, num momento sensitivo e competente, 
A libertação de todas as especulações 
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto. 

Depois deito-me para trás na cadeira 
E continuo fumando. 
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. 

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira 
Talvez fosse feliz.) 
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela. 

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?). 
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica. 
(O dono da Tabacaria chegou à porta.) 
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. 
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo 
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Sonho de uma Flauta - Hermann Hesse


— ToMA — DISSE meu pai, e entregou-me uma pequena flauta de osso — leva isso e não esqueças teu velho pai. Quando alegrares com tua música as pessoas nas terras distantes. Já é tempo de, agora, veres o mundo e aprenderes alguma coisa. Mandei fazer a flauta para ti, porque não sabes mesmo nenhum outro ofício e só gostas de cantar. Mas pensa também em SÓ tocar sempre canções bonitas e agradáveis, senão seria pena pelo dom que Deus te concedeu. Meu querido pai entendia pouco de música, era um sábio; pensava que eu tinha apenas de soprar a linda flautinha e tudo estaria bem. Eu não queria decepcionar - lhe, por isso agradeci, botei a flauta no bolso e me despedi. Nosso vale me era conhecido até o grande moinho; depois então começava o mundo, e ele me agradou bastante. Uma abelha cansada do vôo pousou na minha manga, e eu a levei comigo, a fim de que no meu primeiro descanso tivesse um mensageiro para mandar de volta, como um cumprimento à minha terra. Bosques e prados acompanhavam meu caminho, e o rio corria junto, vigorosamente; eu vi. O mundo diferia pouco da minha terra. As árvores e flores, as espigas de trigo e as moitas de avelã falavam comigo, cantei com elas suas canções e elas me compreendiam, exatamente como lá em casa; com isso minha abelha também despertou, subiu devagar até meus ombros, voou e tomou a cruzar duas vezes comigo, com seu zumbido profundo e doce, e então voltou para a minha terra. Aí apareceu diante do bosque uma mocinha, que carregava uma cesta no braço e um largo e sombrio chapéu de palha na cabeça loura. — Bom dia — disse-lhe eu — aonde vais? — Devo levar a comida aos ceifeiros — disse ela, e caminhou ao meu lado. — E para onde queres ir ainda hoje? — Vou para o mundo, meu pai me mandou. Ele acha que devo tocar a flauta para as pessoas, mas isso ainda não sei direito, preciso primeiro aprender. — Bem, bem. E que sabes então direito? Alguma coisa é preciso saber. — Nada de especial. Sei cantar canções. — Que canções? — Canções de todo tipo, sabes, para a manhã e para a tarde e para todas as árvores e bichos e flores. Agora, por exemplo, eu poderia cantar uma bonita canção de uma mocinha que vem saindo do bosque e traz comida para os ceifeiros. — Podes fazer isso? Então canta um pouco! — Sim, mas como te chamas mesmo? — Brigite. Então cantei a canção da linda Brigite com o chapéu de palha, o que ela traz na cesta, e como as flores olham para ela, e a trepadeira azul da grade do jardim sente saudades dela, e tudo o que se podia dizer. Ela prestou atenção seriamente e disse que estava bom. E quando lhe contei que estava com fome, ela levantou a tampa de sua cesta e apanhou para mim um pedaço de pão. Como mordi um pedaço e continuei firmemente a andar, ela disse: — Não se deve comer andando. Uma coisa depois da outra. — Nos sentamos na grama e eu comi meu pão e ela cruzou as mãos morenas em volta da perna e ficou me olhando. — Queres cantar ainda alguma coisa para mim? — perguntou então, quando terminei. — Quero sim. Que deve ser? — Sobre uma moça que está triste porque o amado partiu. — Não, isso não posso. Não sei como é isso, e a gente também não deve ficar tão triste. Eu só devo cantar canções gentis e alegres, disse meu pai. Vou cantar para ti sobre o cuco ou a borboleta. — E do amor não sabes nada? — perguntou ela, então. — Do amor? Ora claro, isso é o mais bonito de tudo. Imediatamente comecei a cantar sobre o raio de sol que ama as papoulas vermelhas e como ele brinca com elas e fica cheio de alegria. E sobre a fêmea do tentilhão, quando espera por ele e quando ele vem, ela voa para longe e parece amedrontada. E continuei a cantar sobre a menina dos olhos castanhos e sobre o rapaz que chega, canta e por isso recebe um pão de presente; mas agora ele não quer mais pão, ele quer um beijo da donzela e quer olhar os seus olhos castanhos, e continua a cantar tanto tempo e não termina, até que ela começa a rir e lhe fecha a boca com seus lábios. Aí Brigite debruçou-se e fechou-me a boca com os lábios e fechou os olhos e tornou a abri-los e eu olhei as estrelas castanho-douradas bem perto, eu próprio estava refletido ali dentro e um par de brancas flores do prado também. — O mundo é muito bonito — disse eu — meu pai tinha razão. Mas agora querote ajudar a carregar isso para que cheguemos até tua gente. Tomei-lhe a cesta e continuamos a andar, seu passo combinava com o meu e sua alegria com a minha, e o bosque suave e fresco falava da montanha em volta; eu nunca havia caminhado com um prazer tão grande. Durante longo tempo cantei alegremente, até que tive de parar de tanta satisfação; eram coisas demais que rumorejavam c contavam-se sobre o vale e a montanha e a grama e a folhagem e o rio e a floresta. Aí pensei: se pudesse compreender e cantar ao mesmo tempo essas mil canções do mundo, das gramas e flores e gente e nuvens e tudo, da floresta velha e do pinheiral e também de todos os bichos, e além disso ainda canções dos mares longínquos e montanhas, e as das estrelas e luas, e se tudo isso pudesse ressoar e cantar em mim ao mesmo tempo, então eu seria o querido Deus, e cada nova canção deveria ficar no céu como uma estrela. Mas enquanto eu assim pensava, e estava silencioso e maravilhado, porque aquilo antes nunca me ocorrera, Brigite parou e segurou a alça da cesta. — Agora devo ir lá em cima — disse ela — lá no campo está nossa gente. E tu, para onde vais? Vens comigo? — Não, ir contigo não posso. Preciso ir pelo mundo. Obrigado pelo pão, Brigite, e pelo beijo; vou pensar em ti. Ela segurou a cesta de comida, e sobre a cesta seus olhos novamente se inclinaram para mim em sombras castanhas, e seus lábios prenderam-se aos meus e seu beijo foi tão bom e carinhoso, que quase fiquei triste de tanto prazer. Então gritei rápido — vai-com-Deus — e marchei apressadamente pela estrada acima. A moça subiu devagar a montanha, e sob as folhas de faia penduradas na orla do bosque, parou e olhou na minha direção e quando lhe acenei com o chapéu, ela tornou a balançar a cabeça e desapareceu silenciosamente, como uma miragem, para dentro da sombra do bosque. Eu, porém, continuei tranquilamente meu caminho, e estava imerso em meus pensamentos, quando a estrada dobrou numa curva. Lá havia um moinho e, perto, um barco na água; dentro estava sentado um homem sozinho e parecia apenas esperar por mim, pois quando tirei o chapéu e entrei no barco, este, em seguida, começou a andar e deslizou rio abaixo. Eu estava sentado no meio do barco, e o homem atrás, no leme, e quando lhe perguntei para onde íamos, ele levantou os olhos cinzentos e encarou-me com um olhar velado. — Para onde quiseres — disse, com uma voz abafada. — Rio abaixo e para o mar, ou para as grandes cidades, podes escolher. Tudo me pertence. — Tudo te pertence? Então és o rei? — Talvez — disse ele. — E tu és um poeta, parece-me? Então canta-me uma canção de viagem! Fiz um esforço, estava com medo do homem grisalho e sério, e nosso barco deslizava rápido e silencioso pelo rio. Cantei sobre o rio, que carrega o barco e reflete o sol e rumoreja mais forte nas margens dos rochedos e completa alegremente seu passeio. O rosto do homem continuou impassível, e quando prestei atenção, ele balançava a cabeça como um sonhador. Então, para meu espanto, ele próprio começou a cantar, e também cantava sobre o rio, e sobre a viagem do rio através dos vales, e sua canção era mais bela e poderosa que a minha, mas tudo soava diferente. O rio, tal como ele o cantava, vinha como um destruidor vacilante pela montanha abaixo, escuro e selvagem; furioso, ele se sentia dominado pelos moinhos, coberto pelas pontes, detestava cada navio que precisava carregar, e em suas ondas e nas longas e verdes plantas aquáticas, rindo balançava os corpos brancos dos afogados. Isso tudo não me agradou, e entretanto era tão belo e cheio de um acento invisível, que fiquei completamente desorientado e angustiado e me calei. Se era certo o que esse velho, sensível e inteligente cantor, cantou com sua voz velada, então todas as minhas cantigas não passavam de tolices e brincadei ras bobas de criança. Então o mundo, por causa delas, não era bom e luminoso como o coração de Deus, e sim escuro e triste, mau e sombrio, e quando os bosques murmuravam, não era de alegria, e sim de martírio. Seguimos adiante, e as sombras foram longas, e de cada vez que comecei a cantar, meu canto soava menos claro, e minha voz tornava-se mais baixa, e de cada vez o cantor desconhecido respondia com uma canção que tornava o mundo ainda mais enigmático e penoso, e me tornava ainda mais tímido e triste. Minh'alma doía e eu me arrependia de não ter ficado na terra, perto das flores ou da linda Brigite, e para sentir-me seguro no crepúsculo que crescia, recomecei a cantar e cantei na luz vermelha da tarde a canção de Brigite e de seu beijo. Aí o crepúsculo começou, e eu emudeci, e o homem no leme cantou, e ele também cantava sobre o amor e a alegria do amor, sobre olhos castanhos e azuis, sobre lábios vermelhos e úmidos, e era lindo o que ele cantava, cheio de dor, sobre o rio escurecido, mas em sua canção também o amor se tornara sombrio e temível, e um segredo mortal, no qual os homens aflitos e feridos tocavam com seu desejo e sua saudade, e com o qual se martirizavam e se matavam uns aos outros. Escutei e fiquei tão cansado e aflito, como se já estivesse viajando desde muito tempo e houvesse passado por grande miséria e desgraça. Vinda do estranho, sentia cair sobre mim uma torrente silenciosa e fria de tristeza e receio, a penetrar no meu coração — Pois bem, a vida não é o que há de mais elevado e mais belo — gritei afinal amargamente — e sim a morte. Então te peço, rei triste, canta-me uma canção da morte! O homem no leme cantou somente sobre a morte, e cantou melhor do que eu jamais ouvira cantar. Mas a morte também não era o que havia de mais elevado e mais belo, nela também não se encontrava consolo. A morte era vida e a vida era morte, e elas estavam entrelaçadas numa perpétua e furiosa luta de amor, e isso era a última coisa e o sentido do mundo, e dali vinha um clarão, que parecia querer valorizar toda miséria, e de outro lado vinha uma sombra que perturbava toda alegria e beleza e as envolvia na escuridão. Mas para além da escuridão, a alegria ardia mais íntima e bela, e o amor queimava mais profundamente nessa noite. Escutei e fiquei bem quieto, não tinha mais nenhuma vontade dentro de mim além da vontade do estranho. Seu olhar repousou sobre mim, tranquilo e com uma certa bondade triste, e seus olhos cinzentos estavam cheios da dor e da beleza do mundo. Ele me sorriu, e então achei nele um coração, e pedi na minha dor: — Ah, vamos voltar! Sinto medo aqui na noite e queria retornar para onde posso encontrar Brigite, ou para a casa de meu pai. O homem levantou-se e espiou a noite, e sua lanterna iluminou claramente seu rosto magro e firme. — Para trás não há caminho — disse sério e amável — a gente precisa ir sempre para frente, quando quer penetrar o mundo. E da garota dos olhos castanhos já tiveste o melhor e o mais belo, e quanto mais longe estiveres dela, melhor e mais lindo isso vai-se tornar. Ainda assim, segue sempre para onde quiseres, vou-te ceder meu lugar no leme! Eu estava triste demais, e, entretanto, vi que ele tinha razão. Cheio de saudade pensei em Brigite e na minha terra e em tudo que me fora próximo e luminoso e que me pertencera, e que eu agora havia perdido. Mas queria tomar o lugar do desconhecido e dirigir o leme. Assim devia ser. Por isso levantei-me em silêncio e fui andando pelo barco até o lugar do leme, e o homem veio em silêncio ao meu encontro e quando já estávamos perto um do outro, olhou-me firmemente no rosto e entregou-me sua lanterna. Entretanto, quando me sentei ao leme com a lanterna do meu lado, estava sozinho no barco; percebi isso com profundo horror, o homem desaparecera, e, contudo, eu não estava amedrontado, já pressentira isso. Pareceu-me que o lindo dia da caminhada e Brigite e meu pai e minha terra tinham sido apenas um sonho, e que eu era velho e aflito, e que desde sempre e sempre viajava sobre esse rio noturno. Compreendi que não devia chamar pelo homem e a percepção da verdade atingiu-me como a geada. Para certificar-me do que imaginava, debrucei-me sobre a água e ergui a lanterna, e do escuro espelho de água um rosto duro e sério me olhou com olhos cinzentos, um rosto velho, sábio e vi que aquele era eu. E como nenhum caminho voltava atrás, continuei seguindo sobre a água escura dentro da noite.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A macieira


A maçã cai da macieira e apodrece no chão. Os bichos comeram, a terra absorveu e transformou a maçã em outra coisa. Outra maçã foi colhida do mesmo galho, virou torta de maçã. Nenhuma maçã se perdeu. Nada se perde. Nunca. E a macieira? A macieira continua produzindo suas maçãs. A macieira continuará sendo macieira.

Cinquenta em cinco 5/50

Cinco dias.... o que pode ser feito nesse período?   Einstein falou da relatividade do tempo, ele explicou sistematicamente como o espaço-te...